#006 | Doutor é o garçom
O que o coach médio, o break dance australiano e um tipo de sommelier tem em comum; uma coleção de botânicos feitos de plantas sagradas e segredos avassaladores da flor de lotus
Outro dia, acompanhava umas discussões sobre verdades e as mentiras-mentoradas do mundo coach, quando dei de cara com uma ilustração que resume o que a banalização e mal uso da imagem e do conceito, fazem à uma categoria.
Em 2018, resolvi fazer um curso de sommelier de cervejas. Já fazia um tempo que eu pensava a respeito, mas o custo e o tempo me impediam até que resolvi colocar umas economias nisso.
Lido com cerveja há muitos anos, conheço bem os perigos do álcool, mas também os prazeres e saberes que envolvem a bebida e sua cultura, então posso dizer que tenho muitas “horas-copo”.
Grande parte desse “estudo de campo” foi focado nas relações e construções que acontecem em volta do copo, não dentro dele. Em 2008, comecei prestar mais atenção às variedades de cerveja artesanal, mas sem qualquer pretensão além de conhecer e experimentar.
Depois que comecei a criar conteúdo sobre cerveja a coisa mudou um pouco. Senti que precisava entender mais sobre a parte técnica da bebida, sua história e as relações que ela vem construindo ao longo do tempo. O curso ajudaria a retribuir a receptividade e melhorar ainda mais as trocas dentro da comunidade.
Comunidade = algo que não é seu.
Comunidade é algo do qual você faz parte, e pra isso, precisa ouvir muito, entender as dores do grupo e ajudar a criar soluções pra elas. É sobre dar muito mais do que receber dela.
Aprendi muito no curso de sommelier, principalmente, que o curso é só uma parte da caminhada. O que é óbvio, mas acredite, muita gente não sabe disso até hoje.
Falei sobre isso com uma grande profissional do mercado de cerveja recentemente. Discutíamos justamente o fato de que muita gente que faz curso de sommelier, acredita que já é sommelier. Mas infelizmente, se torna, no máximo, uma pessoal palpiteira de copo. É raro, mas acontece muito.
Isso me lembra uma discussão antiga, mas que nos faz pensar muito:
Doutor é quem tem doutorado
Psicólogo não é doutor, médico não é doutor, dentista não é doutor, fisioterapeuta não é doutor, esteticista não é doutor e, finalmente, formado em direito também não é doutor! - alguém disse naquela discussão que comentei antes.
Longe de mim tentar explicar o uso do “doutor” ou porque tem gente que gosta de sour. O fato é que fiz um curso ótimo, mas quando vejo amigos que atuam em bares, cervejarias, atendem o público todos os dias, criam cartas temáticas de cerveja, criam novos sabores através de harmonizações, desenvolvem pratos com a bebida, e principalmente, transformam não consumidores de cerveja em apreciadores da nossa geladinha, não me sinto à vontade pra carteirar um “sou sommelier”.
To preparado pra fazer tudo isso, algumas coisas faço pra mim, ou em escala bem pequena pra estudar e testar. Mesmo assim, prefiro dizer que tenho algumas horas-copo e posso provar se "você me acompanhar no copo".
Claro que nem todo mundo sai de um curso de sommelier deslumbrado. Conheço profissionais que abriram seus negócios e desenvolvem trabalhos incríveis. Mas a forma como muitas pessoas veem e interpretam esses cursos, o alto custo que não permite que quem trabalha na linha de frente tenha acesso - lembrando que pra popularizar o consumo tem que alcançar mais gente, ter mais gente qualificada encantando quem não conhece, coisas que um sommelier faz como ninguém, etc -, somada à uma estagnação do ensino cervejeiro, nos obrigam a perguntar: não tá na hora de repensar a coisa toda?
Como o formato atual do ensino cervejeiro pode trazer mais diversidade, mais gente que conecta com mais gente? Como usar o conhecimento cervejeiro para popularizar a cultura e não para elitizar?
Doutor é o garçom
Sabe a imagem do início do texto? Outro dia, postei nos stories logo cedo.
Sabe aquele horário que pega geral de calça arriada ou pouco antes de sair do banheiro, (às vezes) sem lavar as mãos? Foi um sucesso!
Perdi a conta das reações de gargalhada, likes e directs bem humoradas. Bom pro engajamento, ruim pra categoria. Graças ao trabalho de gente do tipo "coach-estalinho”, o coach de verdade virou piada e o de mentira virou negócio.
Hoje, há pouquíssimas iniciativas de ensino cervejeiro repensando a estrutura e o conteúdo atual. Espero que o mercado se questione mais sobre o tipo de ensino que temos hoje e sobre o tipo de profissionais que queremos ver daqui pra frente. E que essas pessoas “sommeliers só da própria cerveja”, que se julgam donas da cultura de uma bebida com milhares de anos, não transformem a nossa cerveja (e sua cultura) em uma piada que só elas entendem. Afinal, a cerveja é de todos.
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_ancestralidade BOTÂNICA
É comum que as marcas estejam sempre buscando formas de contar uma boa história, algo que engaje, o tão celebrado Stotytelling. Nem todas conseguem, mas muitas já entenderam que a base de uma boa história passa pela verdade, por uma conexão com a comunidade, por criar empatia, e claro, um bom produto.
Gostei do trabalho feito pela Paragon, linha de cordiais botânicos não alcoólicos da MONIN voltada para bartenders. Eles acabaram de lançar a linha Mystic Collection, com três botânicos que propõem uma viagem no tempo em busca de resgatar a tradição e a magia das plantas sagradas. Me chamou a atenção o envolvimento da marca com o Palo Santo, uma madeira sagrada que é como um talismã para Maias, Incas e outros povos indígenas. Além da imersão pra conhecer o produto na sua origem, que pode ser vista num mini-doc filmado na reserva de Palo Santo, na Bolívia, a MONIN também conduz um trabalho social que é sobre entender o cultivo e ajudar na preservação dessa cultura em sua raiz.



Tive a oportunidade de conhecer, sentir e experimentar o Paragon Vetiver, Labdanum e Palo Santo. Tanto no copo, puros e com toda a potência de aromas e sabores impressionantes que eles trazem, quanto misturados em coquetéis incríveis feitos pelo mestre Marcio Silva, os três botânicos proporcionam uma experiência sensorial única, uma viagem que conecta a gente de várias formas através das nossa referências sensoriais.
O evento foi no ExímiaBar, onde é possível experimentar todos os drinks.
_play no MOVIMENTO
O especial Cerveja em Movimento foi um sucesso. Enquanto aguarda novos episódios do podcast, aproveite pra maratonar todo o conteúdo nessa playlist que fiz especialmente para você.
🎧🚀 OUÇA agora, vem no play!
_além da CERVEJA
Fazia tempo que eu não pegava uma sequência tão boa de séries - trouxe algumas delas aqui. Mas depois do impacto de Caleidoscópio (que comentei aqui), achei que ia demorar pra encontrar algo à altura quando abri uma gaveta de séries que queria ver e bum: White Lotus!
A série de 2021, é um drama da MAX vencedor de vários prêmios, como Golden Globe Awards. Mas não se engane pela categoria. A série traz uma visão crua, ácida e muitas vezes bem humorada, do estilo de vida dos podres de ricos em um de seus momentos de lazer favoritos: férias em um resort de luxo.
The White Lotus tem uma estrutura narrativa manjada, mas que faz todo sentido ao longo da jornada e deixa a tensão no ar o tempo todo. Ao longo dos episódios, as camadas de glamour aparentes na vida dos bem nascidos vão caindo e revelando dramas pessoais que ficam melhores quando esbarram no dia a dia dos funcionários.
A primeira temporada é uma pancada. Traz um olhar no privilégio dos ricos, no racismo e diferenças sociais. Difícil não ficar incomodado. A segunda temporada mostra o sexo e as muitas formas de usá-lo para manipular as pessoas. Destaque pra eterna mãe do Stifler (Jeniffer Coolidge), que dá um show. E claro, sempre tem uma morte de pano de fundo, só pra dar um clima. Vale ver!
_Pega a SAIDEIRA
As Olimpíadas acabaram e ainda estamos tentando lidar com isso enquanto atletas no mundo todo já começam a se planejar para LA28. Menos o pessoal do Break, que, seja por problemas políticos entre a organização e comitês, seja pela contribuição australiana pra modalidade (e para o mundo dos memes), ajudaram a deixar o break dance fora dos próximos jogos olímpicos. Mas só dos jogos! Aqui o brake é obrigatório e você pode fazer o seu já, enquanto aprecia a saideira de hoje:
Guinness além da espuma: o criador de Peaky Blinders, Steven Knight, promete encher olhos (e copos) com uma nova série que vai mergulhar na vida e no legado da dinastia Guinness, da cerveja, do livro dos recordes e muito mais. Já quero ver!
Festival FICC vem aí com pré evento em SP: a 11ª edição do Festival Internacional de Cerveja e Cultura vem aí e traz um pré-evento em São Paulo. O “Esquenta FICC SP”, que celebra a participação e parceria das cervejarias paulistas. É dia 20/08, em São Paulo, no bar EverHub Moema da cervejaria Everbrew, a partir das 19h e será aberto ao público.
Eu tô pronta para responder sua pergunta, mas sinto que as vezes é tão vazia essa nossa comunidade, ou dá para perguntar: estamos na sala errada? Cadê o Orkut e aquelas comunidades que seriam algo PH ABAIXO DE 3,1 só os com bom esmalte no dente.
Que perfeito! Achei que eu era a ET que saiu do curso de sommeliaria cervejeira tateando - bem devagarzinho - o paladar e querendo esconder o diploma à todo custo. Não me sinto pronta para palpitar em copos alheios, porém plenamente confiante em passar adiante o mesmo brilho nos olhos de quando provei fruit lambic com brigadeiro branco. Ainda há tanto além que talvez nem chegue... mas fico feliz de ser parte de quem está à frente do balcão, ouve, divide, experimenta e reconhece.